RESENHA DO FILME NOÉ
Noé, de Darren Aronofsky, basea-se em uma história bíblica, mas está longe de filiar-se ao gênero que tem entre seus representantes o monumental Os Dez Mandamentos (1956), de Cecil B. de Mille. É um épico de proporções grandiosas, mas deixa de fora o dogma e insere dúvida e raiva na trajetória do salvador da humanidade do dilúvio que inundou toda o planeta.. No elenco, Russell Crowe, Jenniffer Connely, Anthony Hopkins e Emma Watson.
Se por um lado, Aronofsky tinha bastante liberdade para criar – na Bíblia, o episódio do dilúvio ocupa escassas três páginas, com poucos detalhes sobre como tudo acontece; por outro, há toda uma idealização construída ao longo dos últimos 2000 anos pela civilização ocidental. Nesse sentido, o diretor foi ousado e optou por uma concepção bastante original. Investiu em um visual que em grande parte define a dinâmica da narrativa e criou um núcleo familiar em que cada membro vive seus próprios conflitos, trazendo o drama para o lado humano.
“Noé” enfatiza o lado humano e ecológico ao narrar o dilúvio bíblico
O visual é espetacular, porém muito diferente do que se espera de um filme bíblico. Ao invés de campos verdejantes, rios cristalinos, o que se vê é aridez e hostilidade. A Terra encontra-se em crise não apenas moral, mas também ecológica, com o esgotamento dos recursos naturais. A arca é uma enorme caixa de madeira, apenas de longe lembrando uma embarcação. Os efeitos especiais são atraentes, ainda que sóbrios, assim como o vestuário.
Para realizar o desejo de Deus, Noé (Crowe), sua esposa Namé (Connely), os filhos Shem (Douglas Booth) e Ham (Logan Lerman), além da filha adotiva Ila (Watson) tem de passar por uma série de provas. O patriarca, acima de todos, luta consigo mesmo para manter-se fiel ao seu Deus, que ele supõe estar lhe dando uma missão gigantesca, e ao mesmo tempo, proteger sua família e sua linhagem, que vem desde Abel e que traz em si um paradoxo: ele tem de salvar o planeta do próprio homem, ou seja, dele mesmo.
Provavelmente nenhum outro ator poderia ter interpretado Noé. Russell Crowe tem controle total de sua complexa personalidade, mostrando heroísmo e humildade na medida certa. Jennifer Connely também apresenta uma atuação sólida, com momentos de brilho, e coloca em cheque o predomínio patriarcal. Anthony Hopkins não parece fazer muito esforço para interpretar um Matusalém pouco interessante. Emma Watson vai aos poucos mostrando que Hermione, de Harry Potter, ficou para trás e começa a construir uma bela carreira.
Uma concessão que Aronofsky e o co-roteirista Ari Handel fazem é criar um vilão, Tubal-Cain (Ray Winston), estereotipado e pouco adequado, já que Noé não é exatamente um herói clássico. Isso cria um certo desequilíbrio, com duas histórias paralelas, com pouco contato entre elas. Incluem ainda os Vigilantes, anjos caídos transformados em homens de pedra, que auxiliam na construção da arca e na defesa contra os descendentes de Cain, em batalhas que mais lembram O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson. Pouco para uma produção que prometia muito mais do diretor de Réquiem Para Um Sonho (2000) e Cisne Negro (2010).
Por Sílvia Sørensen
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